Poucas ciências humanas foram tão beneficiadas pelos avanços tecnológicos vividos nas últimas décadas quanto tem sido a medicina. Podemos dizer que o mesmo nível de tecnologia utilizado pela NASA para manter vivo um astronauta no espaço está hoje disponível em nossos Hospitais.
O contínuo avanço, principalmente na eletrônica, informática e óptica, permitiu à prática médica maior rapidez, exatidão e a cada dia disponibilizar novas terapias. A visibilidade destes benefícios foi tanta que, de uma hora para outra, os hospitais ficaram inundados de equipamentos.
De fato, a forma acelerada como vem ocorrendo esta incorporação tecnológica faz com que atualmente os equipamentos médicos representem em torno de 50% do custo total dos empreendimentos hospitalares.
“Hoje os equipamentos médicos representam em torno de 50% do custo total dos empreendimentos hospitalares.”
Apesar de todos os benefícios gerados por esta intensa sofisticação, há grande impasse no setor de saúde do Brasil e do mundo devido aos efeitos negativos consequentes desta acelerada modernização, sendo o maior deles o crescimento desenfreado dos gastos no setor hospitalar.
Para os especialistas os dois principais fatores deste crescimento são: (1) o aumento da longevidade da população que, mais idosa, tem provocado maior demanda por assistência médica; (2) o fator denominado “O Paradoxo Tecnológico da Saúde”.
Segundo estudo realizado pelo IBM (Institute for Business Value), no artigo “HealthCare 2015: Win-Win or Lose-Lose?”, muitos serviços de saúde do mundo se tornarão insustentáveis se não forem reformulados.
Outro estudo recente, publicado no relatório anual da ANAHP – Associação Nacional dos Hospitais Privados (Observatório 2015 – Edição 07 – pág. 145), nos mostra que as despesas com manutenção e assistência técnica foram as que apresentaram crescimento mais expressivo entre os anos de 2013 e 2014, sendo de 15,6%. Veja pela tabela abaixo extraída desse estudo:
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Sobre o que vamos falar:
Mas o que é o Paradoxo Tecnológico da Saúde?
Toda tecnologia possui seu ciclo de vida útil. Elas são desenvolvidas, incorporadas pelo mercado, depois caem em desuso à medida que outras mais modernas as substituem. Por exemplo, nas nossas casas os antigos videocassetes deram lugar aos aparelhos de DVD e que agora estão dando lugar aos aparelhos de BLU-RAY.
Já os equipamentos médicos apresentam o que chamamos de “elasticidade do ciclo de vida”, pois as novas tecnologias têm complementado às anteriores ao invés de substituí-las. Por exemplo, o tomógrafo não substituiu o uso do Aparelho de Raios-x e, tão pouco, a Ressonância Magnética veio a substituir o Tomógrafo. Novas tecnologias já estão em desenvolvimento e em testes e certamente custarão mais caro do que as Ressonâncias Magnéticas e, pela tendência, não substituirão estas.
Somado a isto, temos também a pressão das empresas fornecedoras que, no mercado competitivo e de consumo, se utilizam de muitas estratégias para estimular os médicos a prescreverem aos hospitais a adesão e utilização das novas tecnologias comercializadas.
Ao aderi-las, os hospitais têm seu nível de investimento elevado e se veem cada vez mais pressionados para gerir os custos de manutenção e consumo de todos estes novos equipamentos.
Para os especialistas há necessidade urgente de repensar o modelo dos sistemas de saúde em todo o mundo. A administração dos recursos disponíveis para a saúde terá de ser mais eficiente e a incorporação tecnológica deverá ser menos impulsiva e mais criteriosa, levando em consideração todos os fatores que impactam nos custos operacionais.
Acontece que o grande desafio do setor de saúde está justamente em realizar esta análise de viabilidade e é daí que vem o Paradoxo Tecnológico da Saúde.
O Paradoxo Tecnológico da Saúde é a contradição implícita que há na análise da viabilidade financeira de uma incorporação tecnológica, frente aos benefícios percebidos por seus usuários, pois em se tratando de Saúde, o que se deseja é que todas as necessidades sejam atendidas sem a lógica do lucro.
Em outras palavras, o paradoxo tecnológico da saúde está em lidar com a dicotomia “quanto vale uma vida” versus “quanto custa uma vida”. Como saúde não tem preço, recursos ilimitados deveriam ser disponibilizados para salvar vidas ou para melhorar a qualidade de vida de um paciente e, por isto mesmo, os hospitais estão cada vez mais afundados em custos e mais custos.
Sobre o papel da Engenharia Clínica
Para atender estas novas necessidades estratégicas do mercado de saúde, universidades de tradição e entidades de classe como a ABEClin (Associação Brasileira de Engenharia Clínica) vêm promovendo encontros e congressos em busca do aperfeiçoamento da formação acadêmica dos Engenheiros Clínicos.
A Engenharia Clínica é um ramo da Engenharia que contempla o conhecimento em Gestão Tecnológica e Engenharia Biomédica Aplicada, para otimizar os custos e elevar a produtividade das instituições de assistência à saúde.
De fato, a preocupação com a Gestão de Equipamentos em Saúde é assunto tão importante que, desde janeiro de 2010, temos como normativa no nosso país a RDC 02/2010 da Anvisa, que dispõe sobre as práticas obrigatórias em todos os estabelecimentos de assistência à saúde do Brasil.
Além disto, todos os programas de Acreditação em Saúde contemplam padrões de qualidade e segurança para a gestão do parque de equipamentos médicos. Este fato tem levado muitos hospitais a migrar sua engenharia clínica do antigo modelo de atuação – antes restrito somente à manutenção – para um papel mais estratégico e de gestão, que já são atributos da formação dos Engenheiros. Leia mais sobre isso em: Principais exigências em acreditação para Engenharia Clínica.
Do ponto de vista da Engenharia, esta evolução é natural, já que atualmente nos hospitais há tanta tecnologia embarcada quanto na indústria, onde estas práticas de gestão já estão bem melhor consolidadas. Mas talvez tenham impacto ainda mais visível no setor de saúde, onde a ineficiência e o desperdício são maiores do que em outros setores da economia.
Cabe à Engenharia Clínica estabelecer, implementar e documentar critérios para a qualificação de fornecedores bem como avaliar e comparar os custos de cada incorporação tecnológica para que no âmbito da Medicina o processo decisório seja tomado com mais dados.
A imagem abaixo de um iceberg representa perfeita metáfora sobre o processo de incorporação tecnológica:
Acima da “linha d’água” (o que é visível) está o custo de aquisição. Dentre o que está submerso (invisível) está o custo do frete, custo de instalação, treinamentos, manutenção, consumo elétrico, insumos, peças, custo de atualização, etc.
Enquanto a abordagem básica enxerga apenas o que está “acima da linha d’água”, a análise técnica profissional visa identificar tudo o que está oculto. Leia mais sobre isso em: Como ser um ninja das aquisições.
Considerações finais
A natureza dos negócios em saúde nos trazem de forma inerente complexidades e dicotomias como a de “quanto custa x quanto vale” uma vida, ou seja, equações que envolvem “saúde” e “dinheiro” e desafios como “ser um agente social” e ao mesmo tempo “ser uma empresa sustentável”.
Não há dúvidas de que, para vencer este desafio, Medicina e Engenharia precisam andar “de mãos dadas” daqui para frente
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